sábado, 10 de janeiro de 2009

A insustentável leveza

"If we have only one life to live, we might as well not have lived at all" (Milan Kundera)


A dualidade maniqueísta entre leve e pesado só parece um grande dilema para a classificação das tradicionais associações ocidentais (positivo/bom e negativo/ruim) porque a relatividade não costuma ser fácil para a ordem e boa análise, ainda que incorporados pela ciência em alguns aspectos. Assim, o único aspecto que podemos comprovar - nesta relação entre muitos ou poucos Newtons atraindo nossa existência para o centro gravitacional da terra - é que se trata de fato de uma dualidade sensível aos seres dotados de massa.

Porém, dizer absolutamente que determinado objeto ou subjetividade é pesada ou leve determina um ponto de referência que relativizará todo nosso raciocínio necessariamente: denotativo ou conotativo? Os dois, a metáfora só é boa quando é concreta: qualquer nomeação, tipificação, organização não passa de moral, um juízo de valor e/ou necessidade de economia lingüística em favor do grupo social e sua perpetuação. Metáfora da metáfora é meta-metáfora e isso não interessa a ninguém, só ao artista "ainda não-exilado" de ditaduras.

Uma criança, desde o momento em que é fecundada, começa a ganhar peso. Deixa de ser leve e passa a existir com o peso do gozo que é guardado pelo corpo, que o nutre até o momento em que é pesado demais para ser uma pessoa só, nasce.

O peso não pára de crescer. Peso é energia potencial. Peso é corpo. No corpo é onde se sente, é o meio da vida. Cada mililitro de sangue, leite, proteína e água sorvido por um bebê trata-se de energia humana em última instância. Este é um comprometimento do qual não se tem volta, é uma promissória assinada com a linguagem que se ganha a nova cada cognição.

Chega (ou não, para alguns) o momento da vida que somos suficientemente pesados e temos carne, ossos, músculos, nervos, olhos e paladares que são excelentes para nossa independência vital. Suficientes para um ego no limite social de sua liberdade, felicidade, saúde, bem-estar, hormônios estabilizados e em harmonia com os pensamentos.

Esta carne madura começa a murchar logo após seu clímax. Começa a pagar a conta de tanto investimento. A sociedade cobra cada caloria de volta e o peso da cobrança tem o fiel da balança na consciência particular e cada particular ruga no rosto. Muitas vezes dá origem a outra carne da qual se responsabilizará de fornecer energia, voz e peso. "Uma única metáfora pode dar a luz ao amor".

Isso acontecerá enquanto a carne definha e fica insustentavelmente leve (alguns chegam a perder o cálcio dos ossos, quebram). Até o momento em que não há mais nada armazenado naquele corpo para ser entregue de volta ao conjunto da energia humana.

O corpo, inútil, é gentilmente devolvido à terra, à água, ao fogo, ao ar. A memória daquela energia humana tão concentrada se esvaiu numa mágica desmaterializante. Borboletas esvoejam de dentro de uma caixa que não se quereria abrir: a caixa das histórias que não acontecerão mais naquela companhia.

Nenhum comentário: