quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Quando nasci...


Quando nasci um anjo bobo,
desses que parecem curinga,
contou uma piada pra mim.
Como tivesse tomado pinga,
achei ela muito engraçada
e repeti a galhofa sem fim,
criando assim a palhaçada,
que se espalhou pelo globo.

Me ensinou com franqueza
que toda piada é a mesma,
só muda a balada, a toada,
a roupa lhe faz personagem,
mas esconde sua alma pelada
de verdade gostosa, gozada.
Tal qual qualquer chiste
que nossa cultura assiste.

Trata-se da veste do bobo
que pisa por vezes no fogo,
malabares com certa ferrugem,
toma quedas, silvos de escárnio.
Todo bobo é um funcionário,
com crachá, horário e salário:
advogado e promotor do demônio,
comandante geral dos hormônios.

O jocoso não arrependido
é tudo menos fingido...
eis o refúgio secreto do cômico
rir à toa de toda ferida
e ofegar de risada querida
com veneno de rótulo irônico,
que põe culpados em pânico
e carrancas a pedir penico

Os humores são como marretas
que quebram qualquer gelo,
e despedaçam estatuetas.
São raros silêncios singelos,
é a compreensão do bom gosto
com aquele rubor no rosto
de quem recebe o martelo
e de medo arrepia seu pelo.

Quando nasci um anjo bufão
me ensinou a rimar e então,
como tivera tomado cachaça,
não acabou nunca a graça
e assim no coreto da praça
ficamos a fazer arruaça
com a voz rouca, enternecida,
dando muita risada da vida.